O desenvolvimento do homem opera-se em duas linhas — o saber e o ser.
Para que a evolução se faça corretamente, as duas linhas devem avançar juntas, paralelamente, sustentando-se uma à outra. Se a linha do saber ultrapassar demais a linha do ser ou vice e verça, o desenvolvimento do homem não se poderá fazer regularmente; cedo ou tarde deverá deter-se. As pessoas percebem o que se deve entender por “saber”.
Reconhecem a possibilidade de níveis diferentes de saber; compreendem que pode ser mais ou menos elevado, isto é, de qualidade mais ou menos boa. Mas não aplicam essa compreensão ao ser. Para elas, o ser designa simplesmente a “existência”, que contrapõem à “não existência”.
Conhecimento e a Identidade
Não compreendem que o ser pode situar-se em níveis diferentes e incluir várias categorias. Tomem, por exemplo, o ser de um mineral e o ser de uma planta. São dois seres diferentes. O ser de um animal e o ser de um homem, igualmente. Dois homens, no entanto, podem diferir em seu ser mais ainda que um mineral e um animal. É exatamente o que as pessoas não percebem.
Não compreendem que o saber depende do ser. E não só não compreendem, como não querem compreender. Quando o saber sobrepuja em demasia o ser, torna-se teórico, abstrato, inaplicável à vida; pode até se tronar nocivo porque, em vez de servir à vida e auxiliar as pessoas na luta contra as dificuldades que as assolam, tal saber começa a complicar tudo; a partir de então, traz novas dificuldades, novos problemas e calamidades de toda espécie que não existiam antes.
Saber e o Ser
A razão disso é que o saber que não está em harmonia com o ser jamais pode ser bastante grande, ou melhor dizendo, suficientemente qualificado para as necessidades reais do homem. Será o saber de uma coisa ligado à ignorância de outra; será do detalhe ligado à ignorância do todo; da forma, ignorante da essência.
O ser exterior do homem tem muitos lados diferentes — atividade e passividade, veracidade ou má-fé, sinceridade ou falsidade, egoísmo, disposição para o sacrifício, orgulho, vaidade, presunção, assiduidade, preguiça, senso moral, depravação; todos esses traços e muitos outros compõem o ser de um homem.
Em geral, o equilíbrio entre o saber e o ser é mais importante até que o desenvolvimento separado de um ou de outro. Quando o saber predomina sobre o ser, o homem sabe, mas não tem poder de fazer. É um saber inútil. Inversamente, quando o ser predomina sobre o saber, o homem consegue fazer, mas não sabe o que fazer.
Desenvolvimento
O desenvolvimento da linha do saber sem um desenvolvimento correspondente da linha do ser produz um yogue fraco, ou seja, um homem que sabe muito, mas nada pode fazer, um homem que não compreende o que sabe, um homem sem apreciação, isto é, incapaz de avaliar as diferenças entre um gênero de saber e outro.
E o desenvolvimento da linha do ser sem o desenvolvimento correspondente da linha do saber produz um santo estúpido, um homem que pode fazer muito, mas não sabe o que fazer, nem com que; e, se faz alguma coisa, age como escravo de seus sentimentos subjetivos, que podem desencaminhá-lo e fazê-lo cometer graves erros, isto é, de fato o contrário do que quer.
Por conseguinte, num caso e noutro, tanto o yogue fraco como o santo estúpido chegam a um ponto morto, tornam-se incapazes de qualquer desenvolvimento ulterior. Para perceber essa distinção e, de modo geral, a diferença de natureza entre o saber e o ser e sua interdependência, é indispensável compreender a relação do saber e do ser, tomados em conjunto, com a compreensão. O saber é uma coisa, a compreensão é outra.
Compreensão
O saber em si não dá compreensão. E a compreensão não pode ser aumentada apenas por acréscimo. A compreensão depende da relação entre os dois. A com preensão resulta da conjunção do saber e do ser. Com seu pensamento atual, as pessoas não distinguem entre a compreensão.
Uma das razões da divergência entre a linha do saber e a linha do ser em nossa vida, noutros termos, a falta de compreensão, em parte a causa e, em parte, o efeito dessa divergência, está na linguagem que as pessoas falam. Essa linguagem está cheia de falsos conceitos, de falsas classificações e de falsas associações. E eis o pior — as características essenciais do pensar ordinário, sua incerteza e imprecisão, fazem com que cada palavra possa ter milhares de significados diferentes, segundo a bagagem de que dispõe quele que fala e o complexo de associações em jogo no próprio momento.
Extraído do livro “Fragmentos de Um Ensinamento Desconhecido”, P. D, Ouspensky, Ed. Pensamento
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