HÁ DEUSAS EM CADA MULHER
Texto extraído do livro: as deusas e a mulher
nova psicologia das mulheres: Jean shinoda Bolen
Toda mulher desempenha um papel crucial na narrativa de sua própria jornada existencial. Como psiquiatra, tive o privilégio de ouvir inúmeras histórias pessoais, e percebo que cada uma delas carrega consigo dimensões míticas. Algumas mulheres buscam auxílio psiquiátrico quando se sentem desmotivadas ou incapazes de corresponder às expectativas, enquanto outras procuram orientação quando se veem diante de situações que exigem avaliação e mudança. Em ambos os casos, percebo que elas buscam o auxílio de um terapeuta para aprenderem a desempenhar papéis mais significativos e heroicos em suas próprias vidas. Para isso, as mulheres precisam fazer escolhas conscientes que direcionarão seus caminhos.
Muitas vezes, as mulheres não têm consciência dos poderosos efeitos que os estereótipos culturais exercem sobre elas, tampouco das forças internas que moldam suas ações e sentimentos. Neste contexto, apresento o conceito das deusas gregas. Esses poderosos padrões internos, ou arquétipos, são responsáveis pelas principais diferenças entre as mulheres. Por exemplo, algumas mulheres encontram realização na monogamia, no casamento ou na maternidade, enquanto outras valorizam mais sua independência e buscam objetivos pessoais. Cada uma dessas abordagens reflete a influência de diferentes “deusas” internas.
Múltiplas deusas
É importante ressaltar que uma mulher pode abrigar múltiplas deusas dentro de si, e quanto mais complexa ela for, mais provável é que diferentes deusas influenciem sua vida. O conhecimento desses padrões proporciona às mulheres uma compreensão mais profunda de si mesmas, de seus relacionamentos e do que as motiva. Além disso, oferece valiosos insights para os homens que desejam compreender melhor as mulheres e para os terapeutas que trabalham com elas.
Este livro descreve uma nova perspectiva psicológica da mulher, baseada nas imagens das deusas gregas que ecoaram por mais de três mil anos na imaginação humana. Esta abordagem difere das teorias que definem a mulher “normal” de acordo com um modelo predefinido, pois reconhece e celebra a diversidade das experiências femininas.
Meu entendimento da psicologia feminina foi moldado não apenas pela minha formação profissional como psiquiatra e analista junguiana, mas também pelas minhas experiências pessoais como filha, esposa e mãe. A interação com amigas e grupos de mulheres também enriqueceu meu conhecimento, proporcionando reflexões e insights valiosos.
Desde o início da minha carreira na psiquiatria, na década de 1960, fui testemunha do despertar do movimento feminista nos Estados Unidos. Tanto os escritos de Betty Friedan, que destacaram o vazio sentido por muitas mulheres, quanto os relatórios sobre a desigualdade de gênero na sociedade americana, influenciaram minha compreensão das questões enfrentadas pelas mulheres. A partir desse contexto, encontrei motivação para me unir a colegas feministas e defender uma abordagem mais inclusiva na psiquiatria e na sociedade como um todo.
Em resumo, reconhecer as deusas em cada mulher é um convite para explorar a riqueza e a diversidade da experiência feminina. Essa jornada não apenas enriquece nossa compreensão individual, mas também nos ajuda a construir uma sociedade mais inclusiva e empática, na qual todas as mulheres possam florescer plenamente.
Visão Binocular da Psicologia das Mulheres
Durante o período em que estava imersa na construção de minha perspectiva feminista, também estava mergulhando na análise junguiana. Em 1966, após concluir minha residência em psiquiatria, ingressei no Instituto C. G. Jung de São Francisco como candidata ao programa de treinamento. Em 1976, obtive o certificado de analista. Foi nesse período que minha compreensão da psicologia feminina se solidificou, combinando insights feministas com a psicologia arquetípica de Jung.
Foi como se estivesse construindo uma ponte entre dois mundos ao transitar entre analistas junguianos e psiquiatras feministas. Minhas colegas junguianas raramente se interessavam pelo mundo político e social, enquanto muitas das minhas amigas psiquiatras feministas viam minha inclinação junguiana como uma esfera à parte, com pouca relevância para as questões das mulheres. No entanto, descobri que uma compreensão mais profunda emerge quando se combinam duas perspectivas: a junguiana e a feminista, oferecendo uma visão binocular da psicologia das mulheres.
Psicologia junguiana
A psicologia junguiana revelou-me que as mulheres são influenciadas por poderosas forças internas, os arquétipos, que podem ser personificados pelas deusas gregas. Enquanto isso, a perspectiva feminista destacou como os estereótipos de gênero impostos pela sociedade reforçam alguns padrões de deusa e suprimem outros. Assim, vejo cada mulher como influenciada tanto por forças internas, representadas pelas deusas, quanto por pressões externas, como os estereótipos culturais.
Uma vez que uma mulher reconhece e compreende essas influências, ela adquire um poder transformador. As “deusas” representam forças poderosas e invisíveis que moldam o comportamento e as emoções femininas. O conhecimento dessas deusas dentro de si é um campo emergente de estudo sobre as mulheres, oferecendo insights sobre seus instintos, prioridades e relacionamentos interpessoais.
Os padrões de deusa também afetam os relacionamentos com os homens, influenciando as escolhas e a estabilidade desses vínculos. Além disso, os padrões de relacionamento refletem configurações naturais para diferentes deusas, como pai-filha, irmão-irmã e mãe-filho.
Cada mulher possui dons e deficiências “concedidos por deusas”, que devem ser reconhecidos e integrados para promover o crescimento pessoal. No entanto, a mulher só pode resistir a padrões arquetípicos quando está consciente de sua influência e busca se libertar deles.
Ao integrar as perspectivas junguiana e feminista, podemos desenvolver uma compreensão mais completa e inclusiva da psicologia das mulheres, capacitando-as a se tornarem protagonistas de suas próprias jornadas de autodescoberta e empoderamento.
Continue a leitura na parte II: https://travessiaspa.com.br/as-deusas-e-a-mulher-parte-ii/